É necessário tomar remédio contra vermes todos os anos? Especialistas explicam
Uso indiscriminado de antiparasitários pode causar desde efeitos colaterais leves até complicações mais graves, como alterações hepáticas e resistência antimicrobiana
Você já ouviu falar que é necessário tomar vermífugos regularmente para evitar infecções parasitárias? Durante anos, essa prática foi amplamente incentivada, especialmente em locais com baixos índices de saneamento básico. No entanto, com a melhora das condições sanitárias e maior controle epidemiológico, médicos e especialistas alertam que o uso indiscriminado desses medicamentos pode trazer mais riscos do que benefícios.
O mito do tratamento anual
Na década de 1990, uma famosa propaganda protagonizada pela atriz Suzana Vieira alertava sobre a presença de vermes em casa e recomendava o uso de vermífugos duas vezes ao ano. Esse conselho fazia sentido para o contexto da época, quando a precariedade no saneamento básico favorecia a alta incidência de parasitoses.
Segundo Joziana Barçante, professora de Medicina da Universidade Federal de Lavras (UFLA), o uso rotineiro desses medicamentos era baseado em observações empíricas. “Muitas regiões apresentavam índices elevados de infecção parasitária, o que justificava um tratamento preventivo anual”, explica.
Contudo, com os avanços na infraestrutura sanitária e melhorias na qualidade da água, essa prática deixou de ser recomendada para a população em geral.
Quando o uso de vermífugos é indicado?
Embora as infecções por parasitas ainda sejam uma preocupação, o tratamento profilático só é recomendado em regiões onde a prevalência dessas doenças é alta. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as diretrizes são:
Em áreas com prevalência entre 20% e 50%: tratamento anual.
Em locais onde mais de 50% da população está infectada: tratamento duas vezes ao ano.
Abaixo de 20%: tratar apenas os casos diagnosticados.
“O Brasil não se encaixa nesse perfil como um todo”, afirma Barçante. “Algumas localidades ainda apresentam condições precárias que podem justificar a administração em massa de vermífugos, mas isso não se aplica à maior parte da população.”
O infectologista Fernando de Oliveira, do Hospital São Luiz Morumbi, destaca que crianças em idade escolar (5 a 14 anos) costumam ser as principais beneficiadas pelo tratamento preventivo, especialmente em áreas de risco. Dependendo do cenário epidemiológico, a recomendação pode ser estendida a outras populações vulneráveis, como crianças a partir de 1 ano, mulheres em idade fértil e gestantes após o primeiro trimestre.
O que são os vermífugos e como funcionam?
Os vermífugos, ou antiparasitários, são medicamentos utilizados para tratar infecções intestinais causadas por helmintos (vermes) e alguns protozoários. Entre as doenças mais comuns estão:
Ascaridíase (lombriga)
Giardíase (causada pelo protozoário Giardia lamblia)
Amebíase (infecção por amebas)
A transmissão ocorre, principalmente, pelo consumo de água ou alimentos contaminados e pelo contato direto com o solo em regiões de saneamento precário.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), muitas infecções são assintomáticas. Quando há sintomas, os mais comuns incluem dor abdominal, cólicas, náuseas, vômitos e diarreia.
Em crianças desnutridas ou imunossuprimidas, uma alta carga parasitária pode levar a complicações mais graves, como obstrução intestinal e déficit no desenvolvimento.
Os perigos da automedicação
Tomar vermífugos sem necessidade pode causar efeitos adversos que variam de desconfortos leves a complicações sérias. Segundo o infectologista Marcelo Otsuka, da Sociedade de Pediatria de São Paulo, os principais riscos incluem:
Náuseas, vômitos e dor de estômago
Tontura e dor de cabeça
Alterações no fígado
Redução dos glóbulos brancos no sangue
Perda de cabelo
Além disso, há indícios de que o uso frequente de antiparasitários pode alterar a microbiota intestinal, levando a um desequilíbrio chamado disbiose, que pode aumentar a vulnerabilidade a infecções gastrointestinais.
Outro problema grave é a resistência antimicrobiana (RAM). Quando parasitas, bactérias, vírus e fungos sofrem mutações devido ao uso excessivo de medicamentos, tornam-se mais difíceis de tratar. Otsuka alerta que esse fenômeno já é uma das principais ameaças à saúde global.
Um estudo do Global Burden of Disease revelou que, em 2024, a RAM foi responsável por:
1,14 milhão de mortes diretamente atribuíveis a infecções resistentes
4,71 milhões de mortes associadas à resistência antimicrobiana
As projeções para 2050 são ainda mais alarmantes, com estimativas de 1,91 milhão de mortes atribuíveis e 8,22 milhões de mortes associadas.
Como prevenir parasitoses sem remédios?
A melhor maneira de evitar infecções parasitárias é adotar hábitos de higiene e segurança alimentar:
Lave bem as mãos antes das refeições e após usar o banheiro
Higienize frutas, legumes e verduras com solução de hipoclorito de sódio
Beba água filtrada ou fervida
Evite andar descalço em áreas de risco
Cozinhe bem os alimentos, especialmente carnes e pescados
Com essas medidas simples, a necessidade de vermífugos pode ser significativamente reduzida, evitando riscos desnecessários à saúde.
Conclusão
O uso indiscriminado de remédios contra vermes, que já foi um hábito incentivado, hoje é considerado desnecessário e até prejudicial na maioria dos casos. Para a população geral, a melhor estratégia para prevenir parasitoses é manter bons hábitos de higiene e buscar orientação médica antes de qualquer automedicação.
Se houver sintomas sugestivos de infecção parasitária, um diagnóstico adequado e um tratamento específico são essenciais para garantir a eficácia e a segurança do tratamento.
